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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Doce solidão

A vida tem dessas coisas.
A gente se prepara, se arma, se desarma, abre a guarda, acalma o coração e aí já é tarde demais.
Há quem diga que o tempo está sempre a favor das nossas escolhas, do nosso ritmo, mas isso serve apenas como consolo para um coração já cansado.
Ela já estava desanimada, entristecida, tantas vezes calçou os sapatos e decidiu caminhar sem rumo, pelo tempo que fosse preciso, esperançosa pelo alívio, a cada novo passo desejava que as dores diminuíssem - tudo em vão.
Atendia telefonemas diários, dava um tom adocicado e suave a voz, nunca era ele, nunca ligou, nunca cumpriu - e tantas vezes o coração veio até a boca e teve que ser engolido desatando o nó na garganta, dilacerando, cortando, impiedosamente. Vestia a camisola de seda, fazia uma maquiagem leve, pintava a cara de esperança, perfumava-se com expectativa, dava um ritmo novo as suas noites, preparava um jantar e uma cama para dois - em vão, ele nunca chegou. Dormia e, todas as manhãs, involuntariamente, estendia o braço pela cama imensa, tocava nos lençóis - ele não apareceu durante a madrugada.
Criou uma falsa expectativa e, numa manhã entediante de domingo, ligou para a floricultura e pediu flores para si mesma. Cansou de esperar pelo que nunca chega, apaixonou-se por si mesma, pelo coração incansável, pelas borboletas que viviam e morriam no seu estômago todos os dias, pelo cheiro de paixão, pelo gosto do desejo - foi pedida em casamento pela solidão, juraram amor eterno.
Ninguém  jamais seria capaz de entender quão longe ela estava - já era capaz de ensaiar os primeiros passos de um voo, descobriu-se com asas.

E cantarolava todo fim de tarde, desafinada mas a plenos pulmões:
"Ah, solidão, foge que eu te encontro que eu já tenho asas. Isso lá é bom? Doce solidão."